terça-feira, 1 de outubro de 2013

das mudanças que a maternidade me trouxe: eu escolhi respeitar

  ouvi muitas "piadinhas inofensivas" na minha infância. estaria mentindo se dissesse que elas não me afetaram e afetam até hoje.
  antes de dormir, eu sempre brincava com minha mãe, meu pai e meus irmãos de mímica. numa dessas vezes eu estava imitando não me lembro o que, e meu pai sempre dizia: "é um elefante!", e eu negava voltando a imitar. ele repetia: "é um elefante sim!" e caía na gargalhada. percebi que ele estava me chamando de gorda - como sempre - e saí correndo e chorando pro quarto. nunca mais brinquei de mímica.
  muitas vezes me falaram na "brincadeirinha" que eu era preguiçosa, que não fazia nada direito, que era lerda. na verdade até hoje ouço uns "comentários espirituosos" assim e, admito, ainda fico um pouco desconcertada.
  me acostumei a rir. fingia que não me importava, emendava outra "piadinha", contribuía com o menosprezo que me ofereciam, sempre sorrindo. doía, é claro, mas quem iria se importar? era só brincadeira.
  quando comecei a conviver com a família do Carlos percebi que aquele tipo de "descontração" não era exclusividade da minha família - sempre saíam "piadinhas" com alguma característica considerada defeito de um de nós dois. continuei rindo, acrescentando uma bobeirinha aqui, outra ali. ainda doía, mas e daí? estávamos acostumados.
  e eu comecei a pensar em como seria quando a Mallu estivesse aqui. qual "defeito" dela as pessoas destacariam e zombariam. fiquei aterrorizada só de imaginar que minha filha poderia se sentir insegura ou rejeitada como me senti algumas vezes com esse costume da minha família. e decidi que precisava de forças pra, em mais um aspecto da nossa vida, quebrar o ciclo.
  essa foi uma mudança muito difícil de conseguir colocar em prática, afinal fui habituada por uma vida inteira a rir de comentários pejorativos sobre pessoas que amo ou sobre mim mesma. há um bom tempo já não participava de "piadas" que fossem machistas, racistas, homofóbicas, transfóbicas ou opressoras de qualquer forma, mas ainda assim foi difícil vencer o desrespeito que me acostumei a praticar comigo mesma e com os que me cercam.
  eis que a Mallu chegou e o instinto de proteção (e de respeito) gritou mais alto. ouvi algumas piadinhas sobre ela que não gostei - a cor da pele, o cabelo, a mania que ela tem de chupar a língua, o "excesso" de colo, as orelhas que não são furadas - impressionante como tudo é motivo, não é? não ri, não participei, deixei claro que aquilo me incomodava e por vezes fui mais grosseira do que gostaria. tudo porque não quero que minha filha carregue essas marcas que aos poucos vão se transformando em traumas, inseguranças, medos, rejeição.
  então percebi que se eu fui capaz de fazer isso por ela, também seria capaz de fazer por mim e pelo meu companheiro. se ouço piadinhas me chamando de lerda, por exemplo, não rio e peço que a pessoa me explique com base em que ela acha isso de mim. se alguém faz piada do Carlos não compartilho dos risinhos e me imponho com a minha opinião sobre a pessoa maravilhosa que ele é. chega de aceitar esse peso que vem em forma de descontração. não, não é engraçado. não faz bem. chega.
  assim como não vou permitir jamais que alguém se sinta no direito de agredir minha filha fisicamente, também não permitirei que a agridam com rótulos pejorativos e achem graça em cima disso. claro que ela terá defeitos e dificuldades, mas vamos trabalhar juntas em cima disso com respeito e carinho, e não com deboche e desprezo.
  sou muito grata à meus pais por várias coisas na minha criação, mas da mesma forma sei que tenho muitos ciclos a quebrar para não repetir com a Mallu tantas coisas que me machucaram. é um trabalho difícil, diário, desgastante. mexe com o que temos escondido lá no fundo, com a suposta perfeição dos nossos pais, com a criança que ignoramos e calamos por tanto tempo. mas os frutos recompensam: aprender a se respeitar e respeitar o outro, a se amar e amar o outro - com defeitos, qualidades, seja do jeito que for. sorrir juntos em vez de rirem um do outro, andar lado a lado e não criar um abismo entre pessoas que se amam.
  faço isso pela Mallu sim, mas também por mim e pelo Carlos. e sei que é um passo importante pra nós enquanto crianças-esquecidas e principalmente enquanto família.
  e vocês, que ciclos precisam romper?


3 comentários:

Anônimo disse...

Que texto lindo! Me sinto exatamente como você! Eu ainda estou grávida, e sempre penso nessas piadinhas pejorativas, que se fazem de inofensivas, mas nós sabemos o quanto dói. A infância inteira fui chamada de gorda, de lerda,de "pata", de burra. Meu filho nem nasceu e já queriam fazer piadinhas com ele. Fechei a cara, torci o nariz, não dei risada. Porém as pessoas que conheço que fazem piadas desse tipo, não se incomodam nenhum pouco com isso, você pode dar um show, que eles irão continuar. Mas terei forças para proteger meu Lorenzo de quem e de como for. Enfim, fiquei feliz por encontrar alguém que compartilha da mesma opinião que eu, já que sempre que expus essa minha insatisfação para alguém as pessoas dizem que é bobeira minha, que eu me ofendo muito fácil.

Unknown disse...

Concordo com vc em gênero, número e grau. Aqui a luta é diária também. Se faziam alguma observação inocente ou piadinha eu pedia para não falar aquilo, agora, não respondo, deixo a pessoa no ar no meio da conversa, ignoro a existência dela de um jeito que ela pergunta se está tudo bem e ainda não respondo, deixando ela sentir o quanto ela foi infeliz. Em alguns segundos ela já tem vergonha de si mesma, muda de assunto e não fala mais o que disse, sem eu precisar trocar uma palavra. Se estou sendo grossa? Não. só estou defendendo a cria. bjussssssss

Aline Sena disse...

Comecei a ler o texto aqui e aos poucos fui percebendo um sorriso no rosto. No final, uma vontade incontrolavel de bater palmas pro que você escreveu. Aconteceu o mesmo comigo, nunca soube me defender, achava que essas coisas eram normais. Até me deprar com pessoas que progrediam mais, tinham mais confiança e cresceram em ambiente mais acolhedor. É chato isso, muitas vezes a ofensa vem de quem amamos, de quem fomos ensinados a admirar. Geralmente amamos tanto essa pessoa que seria cruel demais achar que ela faz isso por maldade, então inconscientemente decidimos acreditar no que ela diz, por que se ela diz deve ser verdade. NÃO É! Não existe limites para nenhum de nós, não existem rótulos, eles não se mantém. É só uma forma rápida e cruel de definir um ser cheio de atributos, complexo e autentico.

"se ouço piadinhas me chamando de lerda, por exemplo, não rio e peço que a pessoa me explique com base em que ela acha isso de mim." Achei isso perfeito, e juro, vou aderir!


"chega de aceitar esse peso que vem em forma de descontração. não, não é engraçado. não faz bem. chega." Exato! O mau tem que ser cortado pela raíz. A lei agora é essa quem não quiser aceitar pode tomar o rumo da porta.

Adorei seu texto! Motivador!
Bjs!

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