quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

paciência 0 x 10 culpa

durmo muito pouco, filha agarrada no peito a noite toda. acordo cedo, despertador tocando, filha enroscando em mim pra não me deixar sair da cama. mais peito, mais despertador. tô atrasada, cansada, mal-humorada.
vou tomar café da manhã e me jogo num copo de refrigerante às 6h30 da manhã. tudo errado, ana, tudo errado. e a merda do plano de alimentação saudável? foi pra puta que pariu? "e os palavrões que você tava evitando, caralho?". ah, foda-se.
vontade de chorar, de ficar escondida num canto qualquer dormindo sem ter que ir trabalhar, sem ter que trocar a filha, lavar fraldas, fazer comida, conversar com quem quer que seja.
mas não. engulo o choro e vou pro banho. ódio desse corpo flácido, esses peitos que já foram os mais bonitos que já vi e agora estão esfriando sentindo a cerâmica do chão cada vez mais perto.
depois vou me vestir no quarto, e a filha que tava rindo há segundos atrás com o pai, me vê e começa a gritar, chorar, pedir colo. dou o colo, o peito, mas juro que não tô nem um pouco afim. pergunto 'o que foi, filha? o que você quer' enquanto ela se debate e chora, ju-ran-do que um bebê de 11 meses vai conseguir articular e expressar o que tá sentindo.
me irrito mais, termino de me arrumar, vou me despedir da filha e do marido. ela não quer me deixar sair, chora ao me ver saindo porta afora e eu tenho vontade de mandar meu emprego pra puta que pariu, cuidar da minha filha em tempo integral e não ter que sair cedo e com essa sensação de algo entalado na garganta por vê-la chorar.
caminho rápido e resmungando até chegar na padaria mais próxima e compro mil paçocas e cem bombons. se é pra passar o dia nesse stress todo, que seja entupida de doces. "aí morre diabética e não sabe por que", uma voz sussurra no meu inconsciente, e já dá pra imaginar pra onde mandei a infeliz, não é?
chego no trabalho e a "colega" consegue transbordar o copo que já tava cheio com suas chatices habituais. quero pegar minha mochila e ir embora daqui, pra onde não sei, mas pra casa também não é. desculpa, mundo, mas eu quero sossego.

meus sinceros parabéns às mães de ferro, às mães-maravilha, mas euzinha aqui sou de carne, osso e sangue fervente.
é pecado estar cansada, exausta, querendo sumir um pouquinho pra um mundo onde só eu existo?

não deixo minha filha chorar, dou peito quando ela quer, amo amamentar, amo ser mãe, defendo o amor próprio e descoberta a autoestima e o prazer no corpo pós-parto, gosto demais do meu trabalho, tô tentando melhorar a alimentação e procuro ser gentil com todo mundo que cruza meu caminho.
mas paciência de mãe também tem limite.

me abraça que eu tô me sentindo a pior mãe do mundo e um desgaste físico-emocional que não me cabe. e-x-a-u-s-t-a.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

angústia da separação - sombras e mais sombras

  ontem Mallu completou 11 meses () e posso dizer que estamos no pico do pico do pico da angústia da separação. estamos sofrendo - sim, as duas - e ando meio perdida nisso tudo.
  desde os 6 meses de idade Mallu começou a demonstrar alguns sinais da angústia (se você não sabe do que se trata, leia aqui). a própria pediatra dela me avisou durante a consulta: "ela está começando a perceber que vocês duas não são a mesma pessoa, e isso causa uma ansiedade extrema nela, que ainda não entende como vai ser estar separada da mãe". eu já havia lido muito a respeito, sabia que a fase estava chegando e me supunha preparada para lidar com ela. afinal, colo, grude, aconchego e amor nunca faltaram por aqui, né?!
  a surpresa foi que essa fase de ansiedade de separação não passa de um dia pro outro. os outros picos de crescimento (também listados no link acima) costumam durar entre 1-4 semanas. esse salto de desenvolvimento pode ir firme e forte até os 2 anos. quer dizer... pânico total da mãe e do bebê.
  ao mesmo tempo que é incrível perceber os primeiros "passos solo" da minha pequena, o desenvolver de sua autonomia e os primeiros traços da sua personalidade, dá um medo inexplicável por não saber como lidar com tudo isso. até ontem ela era o meu bebêzinho, que ficava quietinho no meu colo, que se satisfazia com minhas brincadeiras e carinhos, que dormia só de ouvir aquela música preferida na hora de ninar. agora ela é uma quase-criança com suas próprias vontades e preferências, que reluta na hora do sono e de trocar a fralda ("quem foi que disse que quero fazer isso agora, mãe? sai pra lá!", imagino que ela tem vontade de me falar), que se desprendeu do seio da mãe e quer ganhar o mundo. 
  e assim como a Mallu quer sua individualidade - ao mesmo tempo que não sabe lidar com ela - eu também quero a minha. há alguns meses atrás eu não sentia vontade ne-nhu-ma de passar um tempinho que fosse longe dela. vinha pro trabalho chorando, ficava a cada minuto me perguntando como ela estaria em casa sem mim, se tinha comido bem, se tinha dormido, essas coisas todas. ia pra terapia depois do trabalho e levava a pequena junto, só pra não ter que ficar mais uma hora por dia longe dela (mesmo com ela bagunçando todo o consultório da psicóloga e não me deixando concentrar direito no que eu precisava fazer ali). e agora eu sinto cada vez mais falta de um tempo meu. sempre fui uma pessoa que gosta muito de silêncio, de leitura, de introspecção. e é óbvio que desde que a Mallu nasceu esses momentos são cada vez mais escassos, mas eu não me sentia incomodada com isso até aqui. atualmente tenho precisado me fechar, me ouvir um pouco, me permitir sentir prazer na solidão. e ao perceber essa necessidade me banho num mar de dúvidas e culpas.
  o mais difícil tem sido - tanto pra mim quanto pra Mallu - conviver com a realidade de não sermos mais a mesma pessoa. agora nos sabemos separadas, cada uma com seus desejos e necessidades, nem sempre dispostas a ceder mas sempre buscando negociar. claro que não se trata de um embate entre nós, muito pelo contrário, é um momento muito delicado da nossa relação e que envolve os sentimentos mais puros - amor, segurança, confiança, cumplicidade - e os mais pesados - culpa, ciúme, medo.
  sei que é natural esse afastamento - na verdade é mais que natural, é necessário para nós duas. mas admito que ainda não estou conseguindo lidar com a enxurrada de sentimentos que vieram junto. sei que tenho sombras do meu passado enquanto filha interferindo nos meus sentimentos quanto a isso, e que se não examiná-los minuciosamente vai ser muito mais difícil conseguir organizar as coisas aqui dentro do peito.


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  o texto soou mais como um desabafo (e não é isso que ele é?), mas deixo aqui algumas explicações e dicas sobre essa fase:

  Angústia da Separação - Salto de desenvolvimento entre os 6 e 9 meses
  
 "Como se sabe o bebê humano nasce muito imaturo durante seu primeiro ano de vida vai construindo e consolidando habilidades que lhe permitirão viver (sentar, andar, comer, etc). Durante essa fase a mãe (ou cuidador substituto) estabelecem uma relação muito próxima, quase visceral com o bebê e garante que todas suas necessidades sejam atendidas.

Segundo Winnicott, o inacabado ser humano quando vem ao mundo se confunde com este. Ainda não tem definido o que é seu corpo, o que ele é, o que é o outro, o que é o mundo que o cerca. Ao sugar ao seio, mais do que olhar para este, o bebê olha para o rosto de quem o está amamentando e quando olha no rosto da mãe o que vê é ele mesmo. O bebê recém-nascido então não diferencia sua mãe dele mesmo, para ele o corpo da mãe é uma extensão de seu próprio corpo.

Aos poucos o bebê vai descobrindo seu corpo, as mãos, pés, inicia-se o desenvolvimento psicomotor ainda rudimentar e assim vai se formando uma imagem  do seu corpo. Lacan (1949) desenvolveu a ideia do estágio do espelho (originalmente postulada por Wallon em 1934), que fala mais ou menos o seguinte: quando olha para o espelho o bebê inicialmente vê um outro, só depois percebe é que ele mesmo está ali. Então primeiro vê o outro, depois esse outro é ele mesmo e dá-se a partir daí um jogo de alternância eu-outro.

É justamente nessa fase (a partir do 6º, com mais intensidade no 8º mês) que o bebê começa a tomar consciência de que ele e a mãe são distintos, e essa descoberta lhe traz angústia e medo. É importante ressaltar que para um bebê muito pequeno só existe aquilo que está no seu campo de visão, então quando a mãe não está ele pode realmente ficar em pânico.

Essa fase leva a criança a ficar mais "grudada" na mãe, gera dificuldades de sono, mais choro e falta de apetite (em alguns), porém não deve ser menosprezada. Aqui destaco um trecho do texto da Andreia Mortensen sobre o assunto:

É preciso levar a sério a intensidade dos seus sentimentos. O bebê não está “chatinho”, “grudento” nem “manhoso”. Como a mãe é o seu mundo e representa sua segurança, e como a noção de permanência (ou seja, tudo que está longe do campo de visão) não está completamente estabelecida, essa angústia é muito acentuada. A maioria das conexões nervosas no cérebro são feitas na infância e a maneira com que lidamos com as emoções do bebê tem um efeito profundo em como essas conexões se refletirão na capacidade do bebê lidar com suas próprias emoções quando for adulto. Em outras palavras, experiências na primeira infância e interação com o ambiente são as partes mais críticas no desenvolvimento do cérebro da criança. 

 
Para lidar com essa fase tão delicada encontrei no livro Soluções para Noites sem Choro algumas dicas:


1. Aumentar os cuidados diurnos com o bebê, dar mais carinho; 

2. Seguir a rotina de dormir sempre;
3. Manter fotografia da mãe próxima ao berço;
4. Se despedir do bebê ao sair, sempre dar tchau;
5. Demonstrar confiança e alegria ao deixá-lo;
6. Responder rapidamente ao choro do bebê;
7. Durante o dia faça pequenas separações do bebê, ir a outro cômodo e deixá-lo só mas escutando sua voz para que aos poucos se entenda que você voltará, que continua existindo quando sai do campo de visão dele. Brincar de esconde-esconde ajuda bastante nessa fase;
8. Evitar transferência de colo para colo. Apesar dessa ser a prática comum, entregar o bebê ao cuidador no colo, esse simples ato cria ansiedade na criança que sai dos braços da mãe para o de outra pessoa, gera um desconforto físico que só aumenta a ansiedade. Assim o ideal é fazer a transferência em outro ambiente, como no chão enquanto o bebê brinca. Inclua o cuidador nessa brincadeira, você da tchau e sai, esse é o momento do cuidador pegá-lo, aumentar a interação com o bebê."

Referências:
Artigo: A imagem corporal e a constituição do eu.
Texto: Fases de crescimento e desenvolvimento que modificam o sono do bebê e da criança
Livro: Soluções para noites sem choro. Elizabeth Pantley. M Books, 2003.
Livro: O Livro da maternagem: para mães, pais, cuidadores e doulas. Thelma B. Oliveira, Ed Schoba, 2012.

(via: Aventuras Maternais)