quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

  encontrei os olhos atentos da minha mãe, encostada na porta do banheiro. Carlos quase dentro-quase fora do box. a água me lavava inteira, como que de dentro pra fora, como que desnudando o que quer que ainda estivesse escondido, me expondo sutil e docemente.
  agachada sentia os puxos. maravilhosos. intensos. e numa força involuntária e cheia de poder um corpinho escorregou de dentro de mim pra dentro do mundo. agarrei-o e, como uma fêmea qualquer traz seu filhote pra si, fiz de nós dois quase um mais uma vez. entre suas pernas vi um saquinho, apalpei, dei risada. "é um menino! um meninão!"
  minha mãe sorria e batia palmas. Carlos chorava e gargalhava, molhado no chuveiro de roupa e tudo, nos abraçando e distribuindo beijos pela mulher e pelo filho, agora dois em seus braços.
  completude.

 
  acordei. foi só um sonho.
  foi só um sonho?

 
Foto: Kelly Stein - http://www.kelstein.com/

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

leveza

 


não deixa que ela escorregue,
que te cause mais dor
 
maternar é tão bonito quanto difícil, mas não precisa ser pesado.
  Mallu foi uma bebê desejada e amada desde que soubemos de sua micro-existência no meu útero. lembro com carinho da primeira vez que vimos seu coração bater, do primeiro chute na barriga, o primeiro olhar, a primeira risada, o primeiro cocô explosivo, a primeira noite insone, a primeira gripe, o primeiro carinho... foram tantas as primeiras vezes desde que a minha Luz chegou! no frigir dos ovos algumas delas parecem aterrorizantes, mas depois só deixam saudades e aquela sensação de "eu consegui, nós conseguimos". mesmo duvidando da minha capacidade ou da minha força, no fim das contas, sempre dou o meu melhor e dá tudo certo.
  me cobro muito, sou perfeccionista, encrenquinha comigo mesma. a tolerância e a paciência que costumo ter com as pessoas é o que mais falta no cuidado comigo mesma. e hoje conversando com uma amiga (a que sempre toca no ponto certo, gratidão-gratidão-gratidão) percebi que o que preciso mesmo é de leveza.
  deixar a vida seguir seu curso - afinal ela segue mesmo que eu tente não permitir, não é mesmo? curtir os momentos com a minha filhota, mesmo aqueles que insistem em ser complicados e cansativos. me desligar da casa bagunçada, do celular apitando, do sono acumulado, do livro pela metade... e me prender naquela risada gostosa, nos passinhos desajeitados, na vontade de estar sempre grudada em mim, de ver a vida em cima do meu colo.
  dar leveza ao nosso amor e paciência ao meu cansaço. acreditar na minha força e no nosso vínculo. me permitir ver a vida com a Mallu no colo.
 
  é, acho que a nossa frase é "nós conseguimos". juntas, uma pela outra, sempre conseguimos.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

primeiros passos

  filha,
  mais uma vez estamos passando por dilemas parecidos. você ameaça dar os primeiros passos - já se equilibra em pé com facilidade, estica as perninhas e então senta de novo. às vezes dá um passinho ou dois, mas logo vem engatinhando correndo na minha direção, escalando meu colo, me pedindo o peito. nos aconchegamos e fica pra outra hora essa história de caminhar por aí.
  é assim comigo também. fico em pé, me equilibro, ameaço dar um passo... mas logo me vejo correndo pro seu colo. não me sinto pronta, fico insegura, quero você.
  depois de um dia inteiro de tentativas e recuos a gente se cansa. você não deixa o sono te levar com medo de que ele me leve também, que eu não esteja ao seu lado quando voltar a abrir os olhos. eu te dou colo como que pedindo um colo pra mim, esgotada, o corpo pedindo renovação pra lidar com tanto amor e felicidade. nos desgastamos na medida em que nos amamos à exaustão.
  a insegurança bateu tão forte nos últimos tempos que tenho perguntado por aí se as pessoas me acham uma boa mãe. perguntei pra sua vó, pra sua tia, pro seu pai. todos eles me tranquilizaram, me ajudaram a desembaçar o olhar, mas ninguém consegue me passar a segurança que preciso que venha de você.
  eu sei, ainda estamos profundamente conectadas. precisamos relaxar e curtir o vínculo. precisamos dar nossos passos sem temer que eles nos afastem - eles não vão, nada irá, nunca.
  pode andar, meu amor. pode caminhar por aí, pode botar firmeza nas pernas e dar vazão à esse seu olhar curioso. eu também vou dar meus passos, redescobrir o que é meu. continuaremos com as mãos dadas, o peito aberto, o coração em sintonia.
  vai tranquila, filha, eu também vou. e estaremos sempre prontas pro retorno, prontas pro nosso ninho, pro nosso amor. uma da outra, uma a outra.


 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

do amor e do esgotamento

"Não há contradição entre amar alguém e sentir-se sobrecarregado por essa pessoa; na verdade, o amor tende a magnificar o peso. Esses pais precisam de espaço para sua ambivalência, possam ou não se permitir isso. Para aqueles que amam, não deve haver vergonha de sentir-se esgotado - até mesmo em imaginar outra vida."
  -  Andrew Solomon, Longe da Árvore.




eu sei, eu sei, o blog tá abandonadinho da silva. é que nas minhas férias eu fico super sem tempo - bebê grude-grudinho colada na mamãe o dia todo - namoramos, curtimos e cansamos muito juntas. agora as férias chegam ao fim e o blog vai voltar a ter atenção, prometo. só precisava postar esse trecho antes de qualquer coisa porque, ó, maior realidade da vida materna, né não?