sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

do acolhimento e dos aprendizados


ontem eu perdi a paciência e agi com a Mallu com grosseria, o que definitivamente não vai de encontro com minha forma de criá-la.
eu não bati. eu não gritei. mas ainda assim minha atitude foi violenta e agressiva. me desculpei assim que me vi consciente do que havia feito.
ela me abraçou, me beijou, me chamou pra brincar de imitar os sons dos animais (a gente faz isso todo dia no banho) e dormiu agarradinha em mim.
mesmo assim terminei o dia arrasada, chorando, me sentindo a pior mãe do mundo.

conversando com umas amigas sobre o ocorrido lembrei que também sou humana. também tenho meus limites, perco a paciência, ajo por impulso. e que faz parte do ser mãe errar. e se desculpar, quantas vezes forem necessárias. porque nossos filhos precisam conhecer a humanidade que existe em nós ou não aprenderão a reconhecer a humanidade que existe neles. eles precisam nos ver acolhendo nossos sentimentos - inclusive a raiva - e dando voz à eles para que consigam acolher os seus próprios. e precisam saber quando devemos desculpas à eles, que não somos soberanos em nossas atitudes, que não temos o direito de causar sofrimento à eles apenas porque somos mães/pais. precisam conhecer os dois lados do perdão - o de quem necessita dele e o de quem oferece.

hoje, assim que acordei, me lembrei de uma cena que me fez chorar emocionada há alguns dias: Mallu estava colocando sua boneca pra dormir. muito carinhosa, deu peito, abraçou, olhou-a nos olhos e disse: amo você, viu? amo você muito.
sem perceber que eu a observava, ela estava reproduzindo o que recebe de mim todas as noites.

sim, eu erro. muito. mas eu também acerto um sem número de vezes. com meus tropeços e aprendizados eu sou a melhor mãe que a Mallu poderia ter e, sem dúvidas, nenhuma outra filha seria tão perfeita pra mim quanto ela. com a chegada da Mallu aprendi a acolher a criança que eu fui, a dar voz aos meus sentimentos, a valorizar todo o meu processo de amadurecimento, a me amar um pouquinho mais a cada dia. tudo porque eu queria ser uma pessoa melhor por ela, e agora eu sou uma mulher muito melhor - e em constante processo de melhoramento - por mim e por todos a minha volta.
que sigamos sempre nesse caminho evolutivo juntas, lado a lado, com todo o amor que nos une.
minha eterna gratidão por ter a honra de ser sua companheira de jornada, filha.

              

terça-feira, 23 de setembro de 2014

relato do meu puerpério - nu e cru



logo depois do parto me bateu uma crise. então era aquilo? o parto que eu sonhei, que eu dei o meu melhor pra construir, era aquilo? aquela dor toda (ocitocina sintética gotejando sem parar), aquelas pessoas me infantilizando no hospital, roubando meu protagonismo, meu marido muito mais preocupado com a gripe dele do que comigo (sim, EU queria atenção, era o MEU momento. eu ainda não havia entendido que dali pra frente o foco seria a Mallu).
chegando em casa entrei pro banheiro correndo e fui chorar. o que eu ia fazer? eu nunca soube cuidar nem de mim mesma. olhei pra minha cachorrinha e pensei "coitada, vai sentir tanto agora que o bebê chegou, eu não podia ter engravidado, coitada da Chérie" - sim, eu estava me sentindo culpada porque a cachorra sentir a chegada da minha filha.
no terceiro dia pós-parto meu leite desceu. eu chorei por 10 horas seguidas. sem cessar. as lágrimas rolando, eu soluçando, não conseguia amamentar direito, os peitos rachados, a dor, a insegurança, o cansaço, a privação de sono. minha mãe e minha tia foram ficar comigo, fizeram canja de galinha e canjica (cuidado que fez a maior diferença), o Carlos foi pra casa da mãe dele passar o dia inteiro (!!!) e depois ela me liga falando "quer dizer que você tá chorando sem parar? hahahahaha já rimos demais de você aqui". emudeci. desliguei o telefone. tenho raiva e mágoa disso até hoje.
no quinto dia fomos a pé até o posto fazer o teste do pezinho. a enfermeira foi grossa, disse que Mallu tava com icterícia, que tinha que voltar no hospital pra internar e tomar banho de sol. foi aí que vi o tamanho do meu amor por ela: chorei, fiquei desesperada, "como ela vai dormir naquele berço sozinha? ela gosta é de ficar no colo, chora se sai do colo por um minuto, eu não vou ficar longe da minha filha, não consigo, ela é parte de mim". peitei a decisão e não voltei pro hospital. quando chegou a noite confesso que pensei sem querer querendo: "podia ter deixado ela ir, pelo menos voltava pra casa e dormia uma noite inteira".
daí pra frente começaram os palpites e eu fui descobrindo a minha força. virei bicho, leoa lambendo e defendendo a cria. os cuidados com ela já não eram feitos no "automático", por obrigação... o amor foi se construindo, se solidificando. lembro especialmente de uma noite nessa primeira semana em que Mallu chorava muito, chorava sem parar, e nada fazia ela se acalmar. fui pro quarto com abraçando-a, o rostinho colado no meu, e fiquei dizendo que eu estava ali, cuidando, acolhendo, amando. que dali pra frente estaríamos sempre juntas e eu faria tudo o que fosse preciso por ela, sempre. ela dormiu e eu senti a força incrível do nosso amor.

não parou por aí, esse foi só o baby blues. tive depressão pós-parto (ou não, na verdade eu tenho transtorno afetivo bipolar e depressão é algo "corriqueiro" na minha vida).
sofri muito por não ser mais o centro das atenções, por não reconhecer meu corpo, por custar a entender que as coisas nunca mais seriam como antes, por começar uma compulsão alimentar que não consegui controlar até hoje, por perder minha individualidade (sempre fui um tantinho egoísta). tive crise de pânico durante os primeiros 3 ou 4 meses e minha psicóloga me atendia em casa, se não fosse esse apoio (e também a presença quase diária da minha irmã) não sei a que ponto teria chegado.

foi isso. se eu pudesse voltar atrás teria buscado muita informação sobre o puerpério, teria pedido mais ajuda, deixado algumas coisas já prontas (organizado alimentação, limpeza da casa, pediatra definido, etc), teria falado mais sobre os meus sentimentos, criado menos expectativas, teria me envolvido mais com a minha filha e esquecido do resto do mundo (principalmente do marido, fiquei muito carente da atenção dele nesse período e isso me rendeu algum sofrimento desnecessário).

acho importante fazer relatos de puerpério, presentar com livros sobre o assunto (sugestão: A maternidade e o encontro com a própria sombra - Laura Gutman), colocar na roda que o começo é punk mesmo e nem tudo são flores. assim como os relatos de parto me ajudaram muito a saber o que esperar e como ponderar as situações que surgiram, teria me feito muito bem e seria muito esclarecedor se eu tivesse um conhecimento prévio do que viria pela frente. vamos falar sobre o puerpério, o pós-parto, as dores, os medos, as inseguranças. as próximas mães certamente agradecerão.

e quer saber bem a verdade? eu acho que a gente sai do puerpério mas o puerpério nunca mais sai da gente.


terça-feira, 1 de abril de 2014

10 coisas que eu amo e 10 coisas que eu (detesto) não amo tanto assim em maternar


  nem só de amor e nem só de cansaço vive uma mãe, não é? pensando nisso me propus a pensar nas 10 coisas que amo e 10 coisas que eu detesto não amo tanto assim na maternidade. sei que muita coisa depende do ponto de vista, muitas outras exigem um maior (des)apego. assim como tenho minhas qualidades enquanto mãe, também tenho minhas limitações. admitir isso não é vergonha, é apenas expor o que todos somos: humanos - passíveis de erros, acertos, amor e implicância.

10 coisas que eu não gosto em maternar

1 - cortar as unhas da Mallu - é tipo uma luta de MMA e ela sempre vence.
2 - raramente conseguir comer em paz - sentada à mesa, com as duas mãos disponíveis, sem ninguém no meu colo.
3 - sono e cansaço - se você me perguntar "como você tá?" todos os dias, é bem possível que a resposta seja sempre a mesma: "cansada!".  e se eu deitar pra dormir tudo que preciso vou entrar em coma pelo menos por uns dois anos.
4 - sexo - alguém viu minha libido passando por aí? manda voltar que tá fazendo falta.
5 - tempo - é todo da minha filha, mal mal dou conta de lavar o cabelo sossegada ou passear com a minha cachorrinha. cabô. Mallu dominou geral.
6 -  vícios e manias - ainda tenho alguns, admito (quem não? atira a primeira barra de chocolate ou a cartela de rivotril aí!), mas muita coisa tive que largar pra lá.
7 - sair com o marido - nunca mais saímos sozinhos desde que a filhota nasceu. é bom mas é ruim, sabe como?
8 - beber - saudades, mojito, um beijo, caipivodka, me espera, tequila!
9 - exercícios físicos - academia? musculação? hidroginástica? o máximo que eu faço é andar o corredor de casa 200x por dia dando a mão pra um serzinho pequeno e cheio das vontades.
10 - nunca mais estar sozinha - autoexplicativo. é isso. nunca fico sozinha, nunquinha, de jeito nenhum. nem pra ler, nem pra pensar, nem pra fazer o 2.


10 coisas que eu amo em maternar

1 - cama compartilhada - é bom dormir de conchinha com o marido? é uma delícia. mas dormir de conchinha com a cria é incomparável! delícia pura!
2 - amamentar - amor líquido, vínculo inexplicável, uma satisfação sem dimensão.
3 - sexo - depois de parir ficou ma-ra-vi-lho-so. parir é o poder, minha gente, vai por mim.
4 - vícios e manias - anos e anos de luta pra mudar velhos hábitos sem sucesso, daí chega essa pessoinha incrível e me faz ver o mundo de forma diferente e não precisar mais dessas muletas emocionais (ainda tenho algumas sim, mas tudo é um processo, devagar e sempre).
5 - sentimentos nobres - sabe o egoísmo? não existe mais. se antes eu era o centro do mundo, agora tenho muitas outras perspectivas. a coragem e a força me tomaram inteira, os medos fugiram apavorados, o amor imenso que nasceu junto com a Mallu não ficou só pra ela - me amo mais, amo o outro, amo o mundo, amo o que foi e amo muito mais o que virá.
6 - reflexão, busca constante e enfrentamento - meu olhar é outro, minhas posições também.
7 - tempo - consigo fazer (quase) tudo que preciso e ainda sobra um tempinho pra molengar. me fala o que eu fazia com tanto tempo livre antigamente?
8 - empatia - como a Mallu é parte de mim e consigo sempre me colocar no lugar dela, aprendi por tabela a exercitar isso muito mais fácil com as outras pessoas.
9 - grude-grudinho - minha bebê é grude (ou high need, embora eu não goste de rótulos). cansa? ô! mas nossa conexão é absurda de linda. amo nossos carinhos, nossos chamegos, nosso grude.
10 - nunca mais estar sozinha - NUNCA, nunquinha, nunca mais estarei sozinha. Mallu está em mim. não é incrível, lindo, maravilhoso, único? ah, é sim! <3 <3 <3



e você? compartilha as dores e as delícias de ser mãe com a gente também!

sábado, 22 de março de 2014

relato de puerpério: doloroso, lindo, vivo e excitante


  lendo uma discussão de um dos grupos sobre parto que participo, me deparei com esse relato da Jobis Guerra (uma mulher que admiro muito, ainda que só a conheça pelas palavras nos grupos em comum). e dessa vez fui tocada tão profundamente que senti que precisava dividir com outras mulheres. pedi autorização e prontamente a Jobis autorizou, feliz por servir, como ela mesma disse.
  divido com vocês uma experiência que não foi escrita por mim, mas também foi minha. e poderia apostar que sua também, não?

Um belo dia, eu não me reconheci. Eu não sabia exatamente o que tinha mudado, mas eu não era eu. Não tive consciência. Não vi que estava mudando. Um belo dia, eu não cabia mais nas minhas roupas... Nos meus conceitos, nas minhas posturas, nos meus desejos, nos meus projetos. Fiquei chocada. Abri meu guarda roupa e vi que nada daquilo me pertencia mais. Abri meu porta jóia e vi que nada daquilo fazia mais eco em mim. Quem eu era? Do que eu gostava? Quais eram as minhas marcas? Quais eram os meus cheiros , as minhas músicas, os meus livros, os meus discos? Qual era a minha voz? Foi assustador. Eu estava vivendo a vida de outra pessoa. O que era aquilo, tão diferente de mim, tão intensamente eu, e tão diferente de quem eu era e de quem eu pensei que me transformaria? Nem minha casa estava como eu queria! Parecia que eu nem morava ali! Parecia que aquilo tinha sido decorado por uma estranha!
E aí eu me assumi, me enterrei e renasci. Não foi fácil. Mas se alguém ler o que eu escrevia antes e depois de 2007, talvez se espante com a diferença. Os de perto estranharam. Perdi amigos antigos. Encontrei amigos novos. Revitalizei alguns laços.
Hoje eu sei que sou coisas que nunca imaginei. Sei que, quando eu inflei, inflei, até expelir um grão de humanidade, perdi algo junto com a placenta... E ganhei algo junto com os seios fartos. Perdi algo com as noites insones. Algo da minha essência morreu junto com a água fria que era quente para baixar as febres. E ganhei algo quando os via adormecer nos meus braços. Quem eu sou? Quem eu era? Perdi toda a segurança dos meus 20 anos. Perdi quase todos os meus ideais de festim. Perdi a leveza de quem não tem a vida de outra vida nas mãos e nas costas. Perdi a ingenuidade de quem acredita que um colar de pérolas a fará realmente mais bonita e ganhei... A segurança de uma mulher. A sabedoria de quem sabe que pode aprender, de quem sabe que pode se superar, de quem sabe que tem um lugar, de quem sabe que não precisa mais se afirmar, e provar as coisas para os outros, e convencer para ser respeitada. Ganhei a glória de quem se respeita, porque achou seu lugar. A leveza de quem está mais perto de entender a ingenuidade dos outros. Ganhei um respeito pelas diferenças que não tinha, quando pensava que sabia muito mais do que ignorava no mundo. Ganhei a suavidade e a delicadeza de quem já sabe onde vai. Ganhei a ternura de quem não tem medo do tempo, porque sabe que o bom e o belo, o assombro e o torvelinho podem vir a qualquer momento. Ganhei intimidade com a vida, por ter conhecido a presença da morte de tantas maneiras.
Quem eu era, não fui nunca mais. A menina que amava rosa, hoje prefere azul ou cinza. Que adorava perfumes mais chamativos, hoje prefere os mais discretos e gentis. O cabelo grande continua, se possível, abaixo da cintura, por favor... E ainda gosto de enfeitá-lo com um prendedor prateado, em dias de festa. Mas não preciso mais do meu prendedor prateado para saber que é dia de festa. Estou livre de muitas coisas, e presa há milhares de outras. Tudo mudou, mas, em algum momento, eu senti que não houve exatamente morte. Não foi uma impostora que tomou meu lugar, minhas roupas, meus livros, minha casa, meu marido. Foi apenas a essência destilada de quem eu sempre fui, mas era medrosa demais para assumir. Eu tinha vergonha de bancar minha essência fêmea e me contentava com distrações; eu tinha receio do que seria de minha vida social se os outros vissem o tamanho do meu idealismo, e me contentava com meias palavras. Agora, não. Toda minha força, ternura, delicadeza, intensidade e amor estão expostos, a mostra, e foi isso que a maternidade fez por mim. Não se pode gritar enquanto pare ou se tem nascido uma cria e usar as mesmas máscaras depois. Não se pode cuidar tão intensamente de outro ser humano e ter as mesmas reservas com os outros seres da criação depois. Isso te revela na essência, te despe mais que qualquer encontro sexual e mostra o belo e o grotesco que existe em você... E o que fica é a realidade, você, o mundo que segue como sempre seguiu ao seu redor e, de algum modo, você está no centro ou na periferia dele, sozinha e nua, com uma cria nos braços. É assustador, é doloroso, é desconcertante... Mas é lindo... E, perdoe... é também vivo e... excitante demais.
Jobis Guerra Joyce

segunda-feira, 17 de março de 2014

menos bruxas e mais irmãs

  tenho pensado muito na história da branca de neve. na bruxa que pergunta todos os dias pro espelho: "espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?" e quando recebe uma resposta afirmativa, vai atrás de terminar com a vida da mulher que ousou ser mais bela do que ela.
  tenho pensado nesses faz-de-conta todos onde a mãe nunca aparece. pelo contrário: sobram madrastas terríveis e irmãs maldosas.
  ouvi aquela música da anitta que espanta as invejosas e a da valeska que afasta as recalcadas e inimigas. lembrei que no dia internacional da luta das mulheres vi uma piadinha numa rede social nos parabenizando por aguentar tantas amigas fofoqueiras e falsas.
  e senti muitíssimo por todas nós. todas nós mulheres que somos ensinadas a competir umas com as outras diariamente. que não aceitamos que outra de nós se destaque. que não confiamos umas nas outras e juramos de pé junto que é melhor ter um amigo homem porque, afinal, ele não é uma ameaça. que usamos palavras de ofensa, que fazemos conversa atravessada, que nos tratamos como rivais, que alimentamos o machismo dia a dia com tudo isso que nos é ensinado desde criancinha.
   não, não somos as princesas ameaçadas pelas bruxas más com maçãs envenenadas de ódio. somos irmãs - todas nós, daquela que você chama de "vagabunda" por usar roupa curta até a sua sogra, sua professora, sua vizinha. e o que o patriarcado quer é que não enxerguemos isso e nos tratemos com hostilidade, com dedos apontados, com a língua afiada para diminuir uma a uma das nossas semelhantes.
   nós estamos do mesmo lado da batalha. a cultura machista em que vivemos quer que nos odiemos. mas nós não podemos. nós não vamos, combinado? nós vamos nos amar.
  vamos ensinar às nossas filhas que elas podem confiar nas suas amigas. vamos ensiná-las a guardar os segredos que lhes são confessados, a ajudar sempre que forem solicitadas, a dar força quando outra menina qualquer estiver necessitando. vamos pedir que vejam todas as outras meninas com mais carinho e mais empatia. que vejam em si e em todas as outras a beleza de serem únicas e ainda assim serem a mesma. vamos mostrar que nos cuidando e apoiando somos fortes. e que ninguém pode com a nossa força. que ser mulher também é lutar, que nos é exigida a luta e que delas somos capazes - mas jamais umas contras as outras e sim, ainda que diferentes, sempre unidas, sempre nos fortalecendo de mãos dadas com as nossas irmãs.
   vamos ensinar a sororidade para as nossas filhas. que elas se acolham e se amem. e aí então não existirão mais bruxas ou príncipes ou maçãs de ódio. apenas irmãs que confiam na sua força, que sustentam o seu amor.


  

quinta-feira, 13 de março de 2014

os sonhos, sempre eles

  a Carol das babybobeiras relatou o parto dos sonhos dela e perguntou como é o do nosso sonho.
 
  o parto dos meus sonhos é assim:

  na nossa casa, na piscina montada no nosso quarto. Carlos lá dentro junto comigo, sentado atrás, nossos corpos encaixados. algumas horas de dilatação, não muitas nem poucas, quero curti-las. muita vocalização, meditação, conexão. um expulsivo curto e intenso; confiança, poder, segurança. toco a cabecinha da minha cria, acarinho seus cabelos, ainda dentro de mim. bebê nasce, escorrega, sinto tu-do: pouca dor e muito prazer, gemo. empelicado ou pouco antes a bolsa estoura, nada de bolsa rota antes, por favor. eu amparo sua saída, o trago pro meu colo, nos olhamos nos olhos. sem choro, nem meu, nem dele. carinhos das minhas mãos, das mãos do pai, das mãozinhas da irmã. sorrisos em rostos conhecidos e amados ao nosso redor. Chérie sentindo o cheirinho da cria nova junto da família toda.
  saio da piscina, vamos pra nossa cama. bebê cheira, lambe, mama o seio. a placenta sai, observo com gratidão. o pai e a irmã cortam o cordão. períneo íntegro.
  comemos alguma coisa, família e equipe, brindamos. muita felicidade e entrega. tem vídeo do parto, tem fotos lindas de todo o processo. fazemos a pintura da placenta e depois a guardamos pra uma cerimônia futura de batismo.
  a equipe se despede, a família volta pra cama e dorme junto, todo mundo se cheirando, se (re)conhecendo, se amando.


  pode ser que um dia seja bem assim, do jeitinho que eu sonho. pode ser que seja um pouco assim, um pouco assado. pode ser que seja totalmente diferente e ainda assim melhor. mas vai ser com consciência, com informação, com respeito, com segurança, com amor. vai ser mais um renascimento, mais um momento de extremo empoderamento meu, da minha família. vai ser lindo e vai ser nosso, todo nosso.


  e eu passo pra vocês. como é o seu parto do sonho?

quinta-feira, 6 de março de 2014

sobre palmadinhas educativas, surras, mortes e a nossa omissão diária

  essa semana o Alex teve o fígado dilacerado e morreu pelas mãos do próprio pai. e a responsabilidade disso é de todos nós. é do pai que espancou, da mãe que mandou o menino pra casa do pai e negligenciou cuidados, das pessoas que viam a criança ser agredida e não se colocavam em favor dela, da escola que não fez seu papel em perceber que algo errado estava acontecendo ali e não comunicou às autoridades responsáveis, de cada um de nós que naturaliza os "tapinhas educativos" e a humilhação como forma de impor "limites" numa criança.
  ontem em um grupo materno que participo uma mãe contou aos risos que a filha de 14 meses havia tomado a primeira "surrinha" da vida dela. eu sempre sou a chata que vai falar contra a violência, que cria atrito, que defende a causa. e ando tão cansada de por isso ser taxada de adjetivos pejorativos,, de afastar "amizades" por ter meu posicionamento e não arredar pé (até que me provem o contrário, óbvio), que então decidi ficar calada. eu não ri junto com ela, mas também não disse o quanto aquilo era absurdo. eu me calei.
   chorei a morte do Alex, chorei a surra que aquela bebê levou, chorei os tapas que outra bebê de uma conhecida leva, chorei os gritos humilhantes direcionados à outra criança que ouvi há meses, chorei os castigos abusivos da minha adolescência, chorei por ter precisado entrar na frente do meu irmão quando ele ia apanhar do meu pai e dizer: "bate em mim que você já bate sempre, nele você não vai encostar a mão".
   todas as vezes que apanhei ou fui humilhada tudo que eu queria - queria não, precisava - era de um adulto que me defendesse. e agora eu estou nessa posição de privilégio, de adulta que pode - e deve - defender uma criança em situação de abuso e me calei tantas e tantas vezes. por isso eu sou responsável pela "surrinha", pelos tapas, pelos gritos, pela morte dessas crianças invisibilizadas. e você também é tão responsável quanto eu.
   talvez você pense que entre um tapinha no bumbum e uma surra que leva à morte existe um abismo. mas não. existe uma linha muito tênue. o sentimento que te faz acreditar que tem o direito de bater no seu filho pra impor limites é o mesmo daquele pai que surrou o filho dele pra ensinar como ser macho. o que pretendem ensinar as crianças com violência? a cultura do medo começa aí: em vez de ensinar o filho a respeitar pegam o caminho mais curto e ensinam a temer.
  nós não somos donos dos corpos e das vidas dos nossos filhos. eles são pessoas únicas, subjetivas, que terão suas próprias vivências e peculiaridades. e será que estamos prontos pra isso? será que estamos prontos pra que os nossos filhos saiam fora do script que determinamos à eles mesmo até antes de nascerem? será que esse tal amor incondicional que dizemos sentir vai resistir em toda a sua magnitude se nosso filho for gay, usuário de drogas, transsexual, gordo, comunista, evangélico? você está pronto para continuar amando e respeitando seu filho em suas particularidades?
  e enquanto sociedade como estamos dispostos a nos posicionar diante da criação do filho alheio? a partir do momento que o que você faz com seu filho reflete nele que reflete no mesmo ambiente em que vivo, ele também passa a ser minha responsabilidade, não?

  então eu decidi me posicionar. decidi não ser conivente com nenhum tipo de violência contra bebês, crianças e adolescentes. abusadores NÃO PASSARÃO. de nada adianta criar minha filha num ambiente sem abusos físicos/emocionais e me lixar para as outras crianças que passam por essa tortura todos os dias.
  eu vou ser o adulto que queria que alguém tivesse sido por mim. e você? qual a sua posição?


vale a pena curtir a página Bater em criança é covardia e a Crescer sem violência.
leia, informe-se, questione-se. é possível criar sem violência. é possível ensinar pelo caminho do amor e não pela dor.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

  encontrei os olhos atentos da minha mãe, encostada na porta do banheiro. Carlos quase dentro-quase fora do box. a água me lavava inteira, como que de dentro pra fora, como que desnudando o que quer que ainda estivesse escondido, me expondo sutil e docemente.
  agachada sentia os puxos. maravilhosos. intensos. e numa força involuntária e cheia de poder um corpinho escorregou de dentro de mim pra dentro do mundo. agarrei-o e, como uma fêmea qualquer traz seu filhote pra si, fiz de nós dois quase um mais uma vez. entre suas pernas vi um saquinho, apalpei, dei risada. "é um menino! um meninão!"
  minha mãe sorria e batia palmas. Carlos chorava e gargalhava, molhado no chuveiro de roupa e tudo, nos abraçando e distribuindo beijos pela mulher e pelo filho, agora dois em seus braços.
  completude.

 
  acordei. foi só um sonho.
  foi só um sonho?

 
Foto: Kelly Stein - http://www.kelstein.com/

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

leveza

 


não deixa que ela escorregue,
que te cause mais dor
 
maternar é tão bonito quanto difícil, mas não precisa ser pesado.
  Mallu foi uma bebê desejada e amada desde que soubemos de sua micro-existência no meu útero. lembro com carinho da primeira vez que vimos seu coração bater, do primeiro chute na barriga, o primeiro olhar, a primeira risada, o primeiro cocô explosivo, a primeira noite insone, a primeira gripe, o primeiro carinho... foram tantas as primeiras vezes desde que a minha Luz chegou! no frigir dos ovos algumas delas parecem aterrorizantes, mas depois só deixam saudades e aquela sensação de "eu consegui, nós conseguimos". mesmo duvidando da minha capacidade ou da minha força, no fim das contas, sempre dou o meu melhor e dá tudo certo.
  me cobro muito, sou perfeccionista, encrenquinha comigo mesma. a tolerância e a paciência que costumo ter com as pessoas é o que mais falta no cuidado comigo mesma. e hoje conversando com uma amiga (a que sempre toca no ponto certo, gratidão-gratidão-gratidão) percebi que o que preciso mesmo é de leveza.
  deixar a vida seguir seu curso - afinal ela segue mesmo que eu tente não permitir, não é mesmo? curtir os momentos com a minha filhota, mesmo aqueles que insistem em ser complicados e cansativos. me desligar da casa bagunçada, do celular apitando, do sono acumulado, do livro pela metade... e me prender naquela risada gostosa, nos passinhos desajeitados, na vontade de estar sempre grudada em mim, de ver a vida em cima do meu colo.
  dar leveza ao nosso amor e paciência ao meu cansaço. acreditar na minha força e no nosso vínculo. me permitir ver a vida com a Mallu no colo.
 
  é, acho que a nossa frase é "nós conseguimos". juntas, uma pela outra, sempre conseguimos.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

primeiros passos

  filha,
  mais uma vez estamos passando por dilemas parecidos. você ameaça dar os primeiros passos - já se equilibra em pé com facilidade, estica as perninhas e então senta de novo. às vezes dá um passinho ou dois, mas logo vem engatinhando correndo na minha direção, escalando meu colo, me pedindo o peito. nos aconchegamos e fica pra outra hora essa história de caminhar por aí.
  é assim comigo também. fico em pé, me equilibro, ameaço dar um passo... mas logo me vejo correndo pro seu colo. não me sinto pronta, fico insegura, quero você.
  depois de um dia inteiro de tentativas e recuos a gente se cansa. você não deixa o sono te levar com medo de que ele me leve também, que eu não esteja ao seu lado quando voltar a abrir os olhos. eu te dou colo como que pedindo um colo pra mim, esgotada, o corpo pedindo renovação pra lidar com tanto amor e felicidade. nos desgastamos na medida em que nos amamos à exaustão.
  a insegurança bateu tão forte nos últimos tempos que tenho perguntado por aí se as pessoas me acham uma boa mãe. perguntei pra sua vó, pra sua tia, pro seu pai. todos eles me tranquilizaram, me ajudaram a desembaçar o olhar, mas ninguém consegue me passar a segurança que preciso que venha de você.
  eu sei, ainda estamos profundamente conectadas. precisamos relaxar e curtir o vínculo. precisamos dar nossos passos sem temer que eles nos afastem - eles não vão, nada irá, nunca.
  pode andar, meu amor. pode caminhar por aí, pode botar firmeza nas pernas e dar vazão à esse seu olhar curioso. eu também vou dar meus passos, redescobrir o que é meu. continuaremos com as mãos dadas, o peito aberto, o coração em sintonia.
  vai tranquila, filha, eu também vou. e estaremos sempre prontas pro retorno, prontas pro nosso ninho, pro nosso amor. uma da outra, uma a outra.


 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

do amor e do esgotamento

"Não há contradição entre amar alguém e sentir-se sobrecarregado por essa pessoa; na verdade, o amor tende a magnificar o peso. Esses pais precisam de espaço para sua ambivalência, possam ou não se permitir isso. Para aqueles que amam, não deve haver vergonha de sentir-se esgotado - até mesmo em imaginar outra vida."
  -  Andrew Solomon, Longe da Árvore.




eu sei, eu sei, o blog tá abandonadinho da silva. é que nas minhas férias eu fico super sem tempo - bebê grude-grudinho colada na mamãe o dia todo - namoramos, curtimos e cansamos muito juntas. agora as férias chegam ao fim e o blog vai voltar a ter atenção, prometo. só precisava postar esse trecho antes de qualquer coisa porque, ó, maior realidade da vida materna, né não?