quinta-feira, 6 de março de 2014

sobre palmadinhas educativas, surras, mortes e a nossa omissão diária

  essa semana o Alex teve o fígado dilacerado e morreu pelas mãos do próprio pai. e a responsabilidade disso é de todos nós. é do pai que espancou, da mãe que mandou o menino pra casa do pai e negligenciou cuidados, das pessoas que viam a criança ser agredida e não se colocavam em favor dela, da escola que não fez seu papel em perceber que algo errado estava acontecendo ali e não comunicou às autoridades responsáveis, de cada um de nós que naturaliza os "tapinhas educativos" e a humilhação como forma de impor "limites" numa criança.
  ontem em um grupo materno que participo uma mãe contou aos risos que a filha de 14 meses havia tomado a primeira "surrinha" da vida dela. eu sempre sou a chata que vai falar contra a violência, que cria atrito, que defende a causa. e ando tão cansada de por isso ser taxada de adjetivos pejorativos,, de afastar "amizades" por ter meu posicionamento e não arredar pé (até que me provem o contrário, óbvio), que então decidi ficar calada. eu não ri junto com ela, mas também não disse o quanto aquilo era absurdo. eu me calei.
   chorei a morte do Alex, chorei a surra que aquela bebê levou, chorei os tapas que outra bebê de uma conhecida leva, chorei os gritos humilhantes direcionados à outra criança que ouvi há meses, chorei os castigos abusivos da minha adolescência, chorei por ter precisado entrar na frente do meu irmão quando ele ia apanhar do meu pai e dizer: "bate em mim que você já bate sempre, nele você não vai encostar a mão".
   todas as vezes que apanhei ou fui humilhada tudo que eu queria - queria não, precisava - era de um adulto que me defendesse. e agora eu estou nessa posição de privilégio, de adulta que pode - e deve - defender uma criança em situação de abuso e me calei tantas e tantas vezes. por isso eu sou responsável pela "surrinha", pelos tapas, pelos gritos, pela morte dessas crianças invisibilizadas. e você também é tão responsável quanto eu.
   talvez você pense que entre um tapinha no bumbum e uma surra que leva à morte existe um abismo. mas não. existe uma linha muito tênue. o sentimento que te faz acreditar que tem o direito de bater no seu filho pra impor limites é o mesmo daquele pai que surrou o filho dele pra ensinar como ser macho. o que pretendem ensinar as crianças com violência? a cultura do medo começa aí: em vez de ensinar o filho a respeitar pegam o caminho mais curto e ensinam a temer.
  nós não somos donos dos corpos e das vidas dos nossos filhos. eles são pessoas únicas, subjetivas, que terão suas próprias vivências e peculiaridades. e será que estamos prontos pra isso? será que estamos prontos pra que os nossos filhos saiam fora do script que determinamos à eles mesmo até antes de nascerem? será que esse tal amor incondicional que dizemos sentir vai resistir em toda a sua magnitude se nosso filho for gay, usuário de drogas, transsexual, gordo, comunista, evangélico? você está pronto para continuar amando e respeitando seu filho em suas particularidades?
  e enquanto sociedade como estamos dispostos a nos posicionar diante da criação do filho alheio? a partir do momento que o que você faz com seu filho reflete nele que reflete no mesmo ambiente em que vivo, ele também passa a ser minha responsabilidade, não?

  então eu decidi me posicionar. decidi não ser conivente com nenhum tipo de violência contra bebês, crianças e adolescentes. abusadores NÃO PASSARÃO. de nada adianta criar minha filha num ambiente sem abusos físicos/emocionais e me lixar para as outras crianças que passam por essa tortura todos os dias.
  eu vou ser o adulto que queria que alguém tivesse sido por mim. e você? qual a sua posição?


vale a pena curtir a página Bater em criança é covardia e a Crescer sem violência.
leia, informe-se, questione-se. é possível criar sem violência. é possível ensinar pelo caminho do amor e não pela dor.

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