sexta-feira, 6 de março de 2015

por você. por mim. por nós.

Mallu,
me tornar mãe foi o principal divisor de águas da minha vida. não foi o dia da minha formatura, não foi a conquista da bolsa integral pro curso que sempre sonhei fazer, não foi o conhecimento do feminismo, não foi o dia que assumi pros meus pais quem eu sou e tive de lidar com todas as consequências disso, não foi quando saí de casa aos 19 anos sem ideia do que viria pela frente, não foram todas as coisas lindas e doídas que vivi nessa nova jornada, não foi a descoberta da condição clínica que tenho e que interfere em cada aspecto da minha vida, não foi o dia em que me casei com seu pai. foi quando me tornei mãe. a sua mãe.
não posso dizer que isso aconteceu ao ver aquelas duas listras cor-de-rosa ou ao ouvir seu coração bater pela primeira vez. não, filha, não é assim que nasce uma mãe. uma mãe nasce - a sua mãe nasceu - aprendendo a amar.
foi sentindo seu cheiro, te vendo dormir, aprendendo a te amamentar, chorando de desespero por não saber como cuidar de você, chorando de felicidade por ter recebido esse presente tão maravilhoso que é sua existência, ouvindo sua voz e suas primeiras palavras, acompanhando seus primeiros passos. foi com cada dificuldade e com cada novo aprendizado que tivemos juntas que eu fui te amando, pouco a pouco, até chegar a essa coisa sem nome, sem medida, sem limites que é o que eu sinto por você.
e foi assim, Mallu, que eu aprendi a me amar também.
porque enquanto observo cada pedacinho de você, cada traço do seu rosto, e tenho certeza que é a coisa mais linda que meus olhos já viram, eu reconheço os meus traços ali. eu que tanto olhei o espelho com ódio e repulsa vejo em você, na pessoa mais linda desse mundo, esses detalhes que também são meus. e então eu vejo o quanto também sou linda.
eu que me senti envergonhada pelo meu corpo a vida inteira, o vi se transformar e te gerar com perfeição. vi meu corpo trabalhar magnificamente e te parir, te vi sair das minhas entranhas e receber o primeiro sopro de vida. e então fiquei grata pelo corpo perfeito e maravilhoso que eu tenho.
eu que nunca achei que me bastasse e vivia procurando em outros lugares o meu sustento, fazendo pessoas de muletas emocionais e causando tantos estragos por aí... de repente eu passei a ser o que te mantinha viva: com meu leite, produzido por mim, perfeito pra você. com meu colo que era o único que te acalmava. então percebi que não só sustentava a minha filha -  também me sustentava. eu era suficiente.
eu que nunca me senti segura, que nunca encontrei abrigo. e estava ali, dia após dia, crescendo com você e sendo o seu porto-seguro. me fiz o abrigo que nunca tive.
eu que me sentia tão fraca que tentei sumir de todas as formas possíveis, inclusive deixando de me nutrir durante anos. você precisava da minha presença e eu desejei estar ao seu lado a cada momento da sua vida, fosse como fosse. e então eu percebi a grandeza da minha força, capaz de vencer qualquer desafio por você. por mim. por nós.
eu que me sentia tão inadequada, quebrada, inútil. eu que não acreditava na minha capacidade de criar, trabalhar, construir, aprender... de viver. e você chegou pra me mostrar que não só sou capaz como posso ser incrível em tudo que eu quiser ser. que sou habilidosa, perspicaz, inteligente e sensível, e desde então uma vida inteirinha vem sido construída e reconstruída...
eu que não me achava digna de respeito. eu que não obtinha empatia daqueles que amava. eu que não sabia como cultivar esses sentimentos porque não pude acessá-los... de repente estava ali. respeitando você desde a gestação para que nascesse na sua hora, respeitando seu sono, seu humor, suas vontades, seu crescimento, seus limites. sentindo junto com você cada nova pequena - e enorme ao mesmo tempo - dificuldade dessa vida bagunçada aqui fora. te respeitando eu aprendi a me respeitar também. a legitimar meus sentimentos, a valorizar o que eu carrego no peito. e foi respeitando a você e a mim que passei a respeitar a tudo e todes es que nos cercam. a empatizar mesmo quando parece impossível e a rever meus pré-conceitos tão arraigados, reconhecer meus privilégios, lutar e resistir em busca dos meus direitos.
eu que me sentia tão ferida e acuada que pensei jamais ter capacidade de amar alguém genuinamente. você chegou e eu te amei, filha. e eu te amo. enlouquecida e incondicionalmente, eu te amo.
foi amando você que pude me permitir me amar e amar a vida que me foi concedida. foi sendo grata por ter te dado à luz e te ver crescer tão perfeita, tão maravilhosa, que pude reconhecer a minha perfeição, a minha maravilhosidade, e ser grata por isso também.

Mallu, muito obrigada, meu amor. o que você fez por mim foi tão incrível e divino que nem em mil vidas poderei recompensá-la... mas vou persistir tentando... nessa e em todas as outras porque, eu sei, eu tenho certeza, nosso encontro é mais que eterno... é atemporal.



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